Sábado de manhã. Um motorista da linha 464 (Maracanã-Praia de Botafogo) faz sua segunda viagem sem passageiros, aproveitando a solidão no coletivo para ouvir um axé pelo seu celular. Sem se identificar, ele explica: desde que a linha teve seu percurso encurtado — antes, o ponto final era no Leblon, na Zona Sul do Rio —, os passageiros diminuíram.
— Eles sumiram, ninguém quer fazer baldeação.
O sumiço dos usuários não é exclusividade dos fins de semana. Nem da 464. Nas linhas 433 (Vila Isabel-Praia de Botafogo) e 434 (Grajaú-Praia de Botafogo), que também diminuíram o trajeto, despachantes e motoristas confirmam que há menos passageiros — e estimam uma queda de 50%.
— Antes, carregava cerca de 500 passageiros entre 7h e 12h. Agora, tenho carregado pouco mais de 200 — diz o motorista da 433. — Não sei se eles estão pegando metrô ou pagando pelo táxi, mas estão buscando alternativas.
Vendedor de doces na Praça Tobias Barreto, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio — ponto final da linha 464 —, Jorge Silvestre, de 50 anos, reclama que as mudanças enfraqueceram seu negócio.
— Eu costumava chegar na praça para trabalhar às 6h, mas vi que não valia a pena, porque não tinha quase ninguém. Passei a chegar às 9h, quando começa a ter mais gente — diz Jorge.
Uma das justificativas da SMTR para a racionalização é que muitas linhas circulavam com ônibus vazios, pois faziam trajetos semelhantes. Para o engenheiro de tráfego e professor da Uerj Alexandre Rojas, o projeto pode ser um tiro no pé para desafogar o trânsito. Insatisfeitos em fazer baldeação — 20% dos passageiros passaram a pegar duas conduções após a mudança, segundo a Secretaria municipal de Transportes —, alguns podem preferir o carro:
— Quando o passageiro vê dificuldades, escolhe o carro. Essa medida, que era para melhorar o tráfego, pode aumentar a quantidade de veículos — diz o especialista: — Os órgãos deveriam avaliar essas mudanças, ouvir o que os usuários têm a dizer. Pode ser que o sistema original seja melhor do que esse. Não há problema nenhum em admitir que erraram.
Sobre o esvaziamento das linhas, a SMTR justificou que “os ônibus estão oferecendo mais conforto aos passageiros e esse era um dos objetivos da racionalização”. Questionado, o RioÔnibus não comentou sobre a redução do número de passageiros, nem se isso prejudica financeiramente as empresas responsáveis.
O serviço das linhas 433, 434 e 464 foram divididos, segundo a secretaria. As linhas agora ligam os passageiros da Grande Tijuca à Lapa e quem quiser sair da Zona Norte para a Zona Sul pode usar os ônibus que passam pelos túneis Rebouças e Santa Bárbara, que são a 432 e a 435.
Ainda não foram divulgados relatórios oficiais com a quantidade de usuários das linhas encurtadas. A SMTR informou que os dados são gerados a cada 45 dias e os relatórios de dezembro — primeiro mês após o encurtamento das linhas 464, 433 e 434 — estarão disponíveis em fevereiro.
A secretaria informou, ainda, que 70% dos usuários já utilizam o Bilhete Único e que o cartão pode ser adquirido nas lojas RioCard, nas bilheterias do BRT, nas máquinas de autoatendimento e no site.
O Ministério Público do Estado do Rio informou que vai recorrer da decisão da Justiça, que indeferiu o pedido de liminar do órgão para impedir as alterações nos ônibus.
Falta de informação nos pontos de ônibus
Apesar de a racionalização das linhas que passam pela Zona Sul ter começado em outubro do ano passado, os usuários ainda dividem dúvidas nos pontos de ônibus. O estudante de Recife André Araújo, de 17 anos, que o diga. No Rio para fazer turismo, ele e a prima ficaram por mais de 40 minutos num ponto de Copacabana, Zona Sul do Rio, à espera do já extinto 511, que levava ao bairro da Urca. Culpa da placa do ponto, que ainda sugere o uso da linha.
— A gente não queria pegar táxi, mas já estava pensando em andar mais e pegar o metrô — disse André, que só desistiu de esperar após ser avisado pela equipe do EXTRA que seu ônibus não chegaria.
Um motorista da linha 434, que não quis se identificar, diz que a falta de informação confunde os passageiros e sobrecarrega motoristas e trocadores, solicitados o tempo todo:
— Todo mundo para o motorista para perguntar, às vezes sobre linhas que eu nem conheço. Se a gente ficar dando informação o dia todo, nem dá para trabalhar mais.
A SMTR disse que a comunicação com o passageiro é responsabilidade do RioÔnibus.
Segundo o RioÔnibus, agentes de informação estiveram em 94 pontos de grande movimentação de passageiros, distribuindo 600 mil folhetos da semana anterior às mudanças até a semana seguinte. Cerca de 2.150 cartazes foram colados nos ônibus e em pontos de parada, e placas foram instaladas nos pontos finais das linhas alteradas. “Todas as informações em folhetos, cartazes e placas passam pela aprovação prévia da Secretaria Municipal de Transportes”, assim como os pontos e a quantidade de panfleteiros, informou o consórcio.
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